Exposição - O Mundo ao Redor - 2021 - Galeria Matias Brotas - Vitória - Espirito Santo
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A exposição "O Mundo ao Redor"
aconteceu na galeria Matias Brotas em Vitória no Espirito Santo entre abril e
junho de 2021. Nela dividi o espaço do salão da galeria com o escultor
Armarinhos Teixeira. Confesso que não conhecia ele e nem seu trabalho. Quando
recebi o convite me disseram que iria dividir o espaço com outro artista, mas
não sabia com quem. Gostei bastante do resultado. Apesar de nossos trabalhos
serem poeticamente distantes formalmente ocorreu um contraste bonito. O espaço
amplo do salão da galeria ajudou na contraposição das obras, que contaram com a
montagem da equipe da galeria. Normalmente monto ou coordeno a montagem das
minhas exposições, mas por causa da pandemia não pude viajar à Vitória. A
exposição contou com o texto curatorial do Marcus Lontra. Foi a primeira vez
que trabalhamos juntos e além do texto que ele escreveu, ainda fizemos duas
lives de uma hora cada que foram transmitidas pelo instagram da galeria.
Para mim como artista foi uma grande
oportunidade para mostrar um pouco da pesquisa que tenho desenvolvido com o uso
de materiais e ferramentas oriundos de práticas fabris como a construção civil
e a cozinha industrial.
Tenho utilizado cada vez mais espátulas de
pedreiro e outras de confeiteiro para mover grandes quantidades de material com
o intuito de deixar a impressão dos gestos e dos movimentos, gerando assim
rastros e marcas, que não vemos em pinturas normais. Não é exatamente um
abandono do pincel. Ainda utilizo trinchas, brochas e pontualmente pincéis, mas,
para que a pintura tenha um caráter cada vez mais bruto, compro essas
ferramentas em lojas de material de construção.
Não me interesso
mais por resultados refinados ou virtuosos como já me interessei um dia, porque
a poética das multidões assim me pede. A própria volumetria, que se
assemelha a de um alto-relevo, foi consequência dessa necessidade poética.
Por causa do desdobramento dessa
pesquisa comecei a usar argamassa de rejunte como tinta. Ela dá uma maior
possiblidade de acúmulo de matéria e de registro dos rastros gerados do que
materiais clássicos como a tinta a óleo, a acrílica ou a aquarela. É como se eu
estivesse pintando com uma tinta mineral. Algo que aconteceu e que eu não
esperava foram as belas veladuras, que tem uma leve textura arenosa.
O que faço para obter esse novo
tipo de tinta é misturar a argamassa de rejunte com uma base polímera e o pigmento
da cor que desejo.
Como no meu trabalho falo sobre a
poética das massas, sobre o que é ser uma massa, sobre o que é fazer parte de
uma e ter a sua individualidade absorvida por uma identidade de grupo, esse
material fez sentido, uma vez que a experiência de massa vai além da
experiência puramente visual e auditiva. Ela também é tátil, afinal em uma
multidão somos constantemente encostados e entramos em contato físico com as
outras pessoas que estão presentes.
Abaixo mostro um pouco do resultado
desse trabalho em algumas fotos. Há um vídeo que foi muito bem produzido pela
galeria Matias Brotas e o texto do curador. Espero que gostem.
O mundo ao redor
Há um mundo que nós vemos; há também
um mundo que nos observa. O mundo existe fora de nós, paisagens externas, mas
ele se cria dentro de nós, nas nossas interpretações e saberes daquilo que
percebemos. Em cada olhar um fenômeno da percepção se estrutura nesse caminho
de ir e vir, nessa vereda de voltar e prosseguir e a arte é a instância que
manipula essas curiosas equações entre o tempo e o espaço. Entre mim e você há
uma infinidade de pontos e linhas que nos unem e nos afastam. Essa é a delicada
situação que permeia a relação entre o Eu e o Outro, e por isso mesmo a
duplicidade é a essência que perpetua a espécie e constrói a história. Vivemos,
constantemente à espera de alguém; alguém que nos observe,alguém que nos
abrace, alguém para entender, alguém para afastar, falar, fazer, criar.
No campo das artes costumamos dividir
as exposições, classificando-as como individuais ou coletivas. Há, entretanto, a proposta que parece agradar
à Galeria Matias Brotas: mostra de dupla de artistas. Claro está que se trata
de uma mostra individual, onde cada artista elabora um conjunto de obras que
propõem um conjunto coeso formal e conceitualmente, mas é inegável que,
apresentados num mesmo espaço físico, acabem por provocar no espectador a
curiosidade comparativa, percebendo em cada conjunto artístico as suas
qualidades intrínsecas, mas também buscando ferramentas mentais que relacionem,
seja pela aproximação, seja pelo afastamento, diálogos entre os trabalhos.
Armarinhos Teixeira constrói objetos
que parecem obedecer às leis da botânica. Os materiais inusitados são rígidos
mais também maleáveis e suas dobras barrocas sugerem casulos, santuários da
reprodução. Elas são estranhas colmeias que parecem sugerir um mundo futuro no
qual a presença humana é apenas um resquício do passado, algo que se foi, algo
que se perdeu. Mas elas são paradoxalmente, obras sem memória, e se inserem na
paisagem do presente como elementos de permanência a provocar no espectador o
instigante desafio de decifrar. A arte e a esfinge.
Arthur Arnold, fala de um mundo
povoado pela multidão. A base de sua imagem é fotográfica, registro de seres
que se aglomeram, que choram, dançam, amam e odeiam. A individualidade aqui se esconde pela
potência do coletivo, seres sem rosto, anônimos. A arte aqui é procissão, carnaval, algazarra,
mas é também dominação, poder e controle. O artista nos fala de uma sociedade
manipulada pela comunicação de massa, das pessoas tratadas como números,
cordeiros, consumidores. Porém, em meio a esse tumulto, o cromatismo intenso
parece sussurrar que a beleza redime e a luz encanta.
Portanto, Armarinhos fala de um mundo supostamente distante no qual a presença humana é apenas um registro, um silêncio, um retrato do esquecimento. Arthur por outro lado fala do mundo presente, das estratégias de poder e dominação, “da força da grana que ergue e destrói coisas belas”. Entretanto - e eis aí um dos mistérios da arte –o mundo futuro de Armarinhos parece ter se transformado, nos tristes tempos pandêmicos em que vivemos, no mundo presente. E, por outro lado,o mundo presente nas pinturas de Arthur com suas multidões e aglomerações sugere um momento futuro onde possamos de novo reunir e abraçar.
Marcus de Lontra Costa
São Paulo. Março. 2021
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